Cartaz dos revolucinários de 32 convocando os paulista à luta armada.
Divisão dos estados em que cada candidato foi vencedor no segundo turno de 2006.
As peculiaridades das próximas eleições mexem com algumas feridas da história do país. Muito se fala dos reflexos do último período de governo militar, tendo em vista que os dois principais candidatos estiveram em oposição ao golpe de 64. Porém, chama atenção também a divisão política regional do país.
A nítida divisão eleitoral de 2006 está se reproduzindo em 2010. Pesquisas de opinião apontam Serra com vantagem na metade Sul e Dilma melhor na metade Norte do país. A origem nordestina de Lula não explica tal divisão. É prematuro atribuir o fenômeno exclusivamente a abrangência geográfica dos programas sociais. A compreensão do momento político passa pela análise de questões do século passado.
Lula tem forte identificação com a controvertida figura de Getúlio Vargas, presidente empossado pela Revolução de 1930. Desde a base sindical ao apelo nacionalista apoiado na estatal do petróleo, o atual líder da nação guarda semelhanças com aquele. Não é sem razão que sobre o ex-metalúrgico também paira a aura de pai dos pobres.
Dilma teve sua carreira política radicada no Rio Grande do Sul, terra de Getúlio. A ex-ministra é de Minas Gerais, estado que apoiou a Revolução de 30. Dilma foi militante de um grupo guerrilheiro que se opôs ao golpe de 64, o que naturalmente força o país a uma reflexão sobre a participação dos militares na política nacional.
Já Serra é mais um político paulista do PSDB indicado à disputa presidencial. O partido governou o país entre 1995 e 2002 (com o paulista FHC) e foi a principal legenda de oposição ao governo Lula. Em 2010 o tucanato deixou clara a hegemonia da ala paulista em seu comando, assim como o fizera ao preterir Aécio em 2006 e Tasso Jereissati em 2002. Por isso e por estar governando São Paulo há 16 anos, reforçou a imagem de que busca a hegemonia de São Paulo na política do país. Imagem esta que remete à Revolução de 1932.
O dia 9 de julho, data do início da Revolução de 32, é a data cívica mais importante para os paulistas. É como o 2 de julho para os baianos 20 de setembro para gaúchos. Mas ao contrário de outras datas cívicas celebradas, a Revolução de 32 não é considerada pelo restante do país como uma luta de progressistas contra conservadores. É vista como uma luta reacionária e egoísta de São Paulo contra o Brasil.
O fato é que em julho de 1932 o país vivia sob um “Governo Provisório” nomeado por militares desde novembro de 1930. Getúlio Vargas chegou ao poder por um golpe eclodido após São Paulo tentar levar à presidência mais um paulista, rompendo com o pacto café-com-leite.
É difícil aplicar a lógica maniqueísta ao papel dos paulistas no início da década de 30. Até então, São Paulo e Minas Gerais, os dois estados mais ricos e populosos, revezavam-se no poder do país. Se não era justo com as demais federações, tinha sua lógica. Sob o efeito da crise de 29, os paulistas quebram o pacto. Indicado pelo presidente Washington Luís, o presidente/governador de São Paulo, Júlio Prestes, foi eleito em 1° de março de 1930. A rigor, em 32 o estado do presidente eleito lutou contra um regime de exceção.
Mas o raciocínio democrático eleitoral é relativo para o caso. É preciso imaginar o que representava a eleição no Brasil à época. As mulheres e os analfabetos não podiam votar, o que reduzia o número de eleitores a menos de 10% da população. Além disso, o voto era aberto e não havia Justiça Eleitoral. Ou seja, na prática a eleição era uma decisão oligárquica, geralmente tomada em conjunto com quem já ocupava o poder. Em um contexto tão precário, bastou a ruptura das oligarquias dominantes para que a eleição fosse contestada e taxada de ilegítima pelos apoiadores de Getúlio Vargas.
A Revolução de 30*, à semelhança do golpe de 1964, foi um golpe militar apoiado por lideranças civis. Vargas (que foi sargento) sagrou-se vitorioso fundamentalmente pelo apoio que tinha dentre os militares. Os reflexos da crise de 29 e a divisão das principais lideranças civis do país (mesmo no âmbito interno de Minas e São Paulo havia fissuras) abriram espaço para que líderes militares apoiassem alguém mais identificado com seus objetivos. Isto ficou claro na anistia concedida por Vargas aos militares envolvidos em revoltas na década de 20. Vargas também implementou propostas defendidas pelo tenentes, além de nomear vários deles como interventores nos estados.
A Revolução de 32 foi uma das poucas revoltas na nossa história em que houve engajamento popular. Entretanto, porque ela é tão mal vista pelos brasileiros não-paulistas? Porque a causa paulista não era o interesse do Brasil e porque o bom governo de Getúlio o absolveu, pelo menos até o Golpe de 37.
A Revolução de 32 foi movida por interesses que ensejaram a ruptura com a política café-com-leite. Interesses que de certa maneira permearam e permeiam a vontade da elite paulista. Desde o início do século passado, São Paulo é economicamente muito mais forte que o restante do país. Ainda hoje é grande a desproporção entre o que o estado arrecada para a federação e o que esta lhe devolve. Em 32 havia o interesse de não delegar a políticos outros o poder que as elites paulistas entendiam lhe pertencer. Se não obtivessem o poder de controlar o país, almejavam controlar o estado como nação autônoma.
A marca deste pensamento da política paulista ainda não deixou de existir. O governador paulista Adhemar de Barros, combatente por São Paulo em 32, foi um dos apoiadores civis do golpe de 1964. Aos seus olhos deve ter parecido fora de lugar o poder nas mãos do gaúcho João Goulart. De alguma forma o mesmo pensamento norteou as escolhas do PSDB nos últimos anos. Ao PSDB paulista é preferível perder a eleição presidencial a deixar o controle do partido nas mãos de outrem.
O Sul e Sudeste são para o restante do Brasil o que os EUA são para a América Latina. São forças econômicas demandando poder político. O 9 de julho continua sendo comemorado apenas em um pedaço do país porque simboliza a ruptura de interesses que permanecem divergentes. Esta é base da divergência da década de 30 e é a raiz da atual divisão.
*A Revolução 30 foi o berço do golpe de 1964. Quase todos os comandantes militares do golpe militar de 1964 eram ex-tenentes de 1930, tais como Ernesto Geisel, Castelo Branco, Médici, Juraci Magalhães e Juarez Távora.
Correção, Rafael: a Revolução de 1930 não foi um golpe militar. Foi o mais amplo levante popular nacional que se tem notícia. Comparável apenas ao 2 de Julho de 1823, bahiano.
ResponderExcluirEla é muito mais fruto da Guerra Civil Mineira, ou Levante Bernardista, do que um Golpe Militar.
Nem todos os tenentes nela envolvidos vieram a dar em apoiadores do Regime Militar. Lott, por exemplo, não, nem Carlos Prestes.
Mesmo Juracy foi, como governador da Bahia, amplamente democratico e manteve politicas de esquerda herdadas de Antonio Balbino e Octávio Mangabeira, socialistas.
3 de Outubro de 1930 merece nosso total respeito. O Levante de 1932, paulista, este sim é o embrião do golpe de 64 - porque contra-revolucionário e contra-popular.
Só depois de o Levante de 1930 ser fato consumado é que as elites tomam-lhe as rédeas. Mesmo assim, são forçadas a fazer uma célere revolução burguesa com expressivos ganhos no legalismo democrático (voto obrigatório e secreto) e para o proletariado (os sindicatos e depois a CLT).
Não atoa nem Minas Gerais, nem Pernambuco, nem os Milicos ascenderam com 30. Ascendeu Vargas, que só caiu morto...
Tanto é assim no tocante a Juracy (o que disse foi pensando especificamente na diade Tatro Castro Alves / Museu de Arte Moderna - isto é: na presença e permanência de Lina Bo Bardi e João da Gama Filgueiras Lima em Salvador), que JK cogitou apoia-lo para "evitar o pior": isto é, uma UDN desvairada.
ResponderExcluirNão deu certo. Ganhou Jânio. O resto é história - e bem trágica...
Lucas, não concordo que a Revolução de 30 tenha sido um levante popular nos moldes do 2 de julho. A revolução de 32 - que deveria estar nos livros de história com a guerra civil brasileira - teve maior amparo da população paulista, ainda que por força da influência de sua elite e da propaganda de guerra. Qual o grande líder popular nacional de 30? O tenente Vargas era político de âmbito regional. Considerando que apenas cerca de 10% da população votava à época, se pode dizer que foi líder de uma elite alfabetizada gaúcha.
ResponderExcluirA revolução de 30 foi gestada nos quartéis, como a proclamação de nossa república, a qual você atribui a origem dos golpes neste país. É verdade que aquela ruptura institucional deixou sempre na mesa dos militares a opção da destituição do governo em exercício.
As transformações geopolíticas do país criaram sim um base civil que dividiu com os militares a autoria do golpe de 30. Havia divisão política interna em Minas e em São Paulo, ao passo que o Rio Grande estava coeso. Mas 64 também teve seus mentores civis.
Uma das grandes divergências entre 30 e 64 foi que no primeiro os militares entregaram o poder a um político, enquanto no segundo assumiram diretamente o governo. Outra diferença é que 30 estabeleceu um governo progressista e com agenda nacional, enquanto 64 estabeleceu um autoritarismo ligado a interesses externos. Os méritos dos primeiros anos Vargas não tiram a verdade de que sua chegada ao poder foi fruto de um golpe ligado ao tenentismo.
É verdade que nem todos militares envolvidos em 30 apoiaram 64. O que não quer dizer que os mencionados e outros não permaneceram se vendo "juízes dos governos". Foram os mesmos que forçaram a renúncia de Vargas em 45 e lhe impuseram o apoio ao general Dutra. Foram uma sombra à democracia até o derradeiro golpe em 64. Ressalto que Carlos Prestes já tinha aderido ao comunismo e não participou da Revolução de 30.
Os méritos do governo de Juracy Magalhães como interventor na Bahia não legitimam sua chegada ao governo. Aliás, sua nomeação ao governo aos 25 anos por Vargas devido à sua patente de tenente é prova de como a Revolução de 30 esteve afastada das bases populares civis.
não me referia a Juracy como interventor (no que aliás foi ruim ao ponto de ser rapidamente substituido pelo civil Landulfo Alves - um dos 3 ou 4 grandes governadores do estado, ao lado de Mangabeira, Balbino, Wagner e Roberto Santos).
ResponderExcluirMe referia ao governo eleito de Juracy, em 1957, depois do de Balbino e durante o governo JK - a quem apoiou, a despeito de seu partido não apoiar. (Nota: atitude comum na UDN bahiana, ACM que ja ensaiava passar a rasteira em Juracy também foi jucelinista, apesar de a UDN, seu então partido, ser anti-Jucelinista).