quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Dos Guardiões das Liberdades Democráticas


Sinal Amarelo?

Jânio de Freitas, jornalista da Folha de São Paulo, certa vez definiu Itamar Franco, quando no exercício da presidência, como um imbecil. A Folha de São Paulo é acusada de manter um cobertura parcial da política nacional. Dentre os casos mais relevantes, a FSP publicou em matéria de capa do jornal uma ficha falsa de Dilma no DOPS que, segundo o próprio jornal, foi recebida por e-mail (ou seja, não foi checada sua autenticidade).
O jornal e o jornalista que tanto extrapolaram no tom da cobertura eleitoral, agora parecem temer os rumos radicais que o processo político pode tomar no país. A capacidade de análise externada no artigo abaixo atesta que a precária linha editorial adotada pelo jornal não se deve a limitações técnicas ou intelectuais de seus colaboradores. Desta vez, o incendiário parece correr para apagar o fogo que tanto atiçou:

Folha de S.Paulo -
Janio de Freitas: Além do último sinal
JANIO DE FREITAS
Além do último sinal
A entrada em cena de forças extrapolíticas reproduz passo que pode levar situações tensas a fugir do controle

UM AVISO de perigo, na via política, foi ultrapassado.
A entrada em cena de forças extrapolíticas, motivadas pelo confronto entre Lula e os meios de comunicação com maior presença, reproduz o mais conhecido dos passos que levam situações tensas a enveredar por processos que fogem ao controle com facilidade. E, se isso ocorre, põem em risco a integridade institucional -o próprio regime.
Se os meios de comunicação têm extrapolado ou não, no tratamento aos casos do sigilo violado na Receita Federal e das irregularidades originadas no Gabinete Civil da Presidência, até agora não houve indício algum da finalidade golpista acusada por governistas.
O que pode ser apontado são propósitos eleitorais. Mas os meios de comunicação brasileiros nunca deixaram de ser parte ativa nos esforços de conduzir o eleitorado. Sua origem e sua tradição são de ligações políticas, como agentes de facções ou partidos. Só em meado do século passado dá-se a primeira e derrotada tentativa, no "Jornal do Brasil", de prática desconectada de segmentos políticos.
Na atual campanha, os meios de comunicação com maior presença são passíveis de acusações como desequilíbrio no ânimo em relação a este ou àquele candidato; de parcialidade no interesse em eventos de um ou de outro, e, no noticiário das irregularidades, de precipitações e erros que são os mesmos cometidos na cobertura de todos os escândalos.
À parte atingida cabe reagir na medida do possível, que, em geral, não é muito. E às vezes é quase nada, porque a própria reação está sujeita ao que é acusado no principal. Mas assim é a etapa em que a sociedade brasileira ainda está.
Daí a golpismo, na atualidade, a diferença é total. Idêntica à diferença entre prática primária da democracia e o golpismo com que o país conviveu por décadas, até o maior dos golpes.
No outro lado, nenhum fato sustenta a ameaça à democracia atribuída a palavras ou atos de Lula. As reações ao que considera insultuoso, ou injusto, ou inverdadeiro são à sua maneira: com destempero deplorável, nas palavras e na teatralidade da exaltação. Sem consideração alguma, até muito menos do que pelos adversários, pela própria condição de presidente da República. A faixa presidencial ainda não se distinguiu, para Lula, da camisa do Sindicato dos Metalúrgicos.
Nenhum espetáculo e nenhum ato presidencial pode ser apontado, com seriedade, como ameaça à democracia. Nem o mais acusado deles, a alegada ameaça à liberdade de imprensa. A proposta petista de criação do Conselho Nacional de Jornalismo, ou algo assim, vale mais uma discussão do que poderia ser, a serviço de todas as partes, do que qualquer das acusações trocadas.
Conselho de Jornalismo não é embaixada do inferno, não é chavismo, não é ditadura, necessariamente. São muitos os países "civilizados" e democráticos em que tal conselho existe.
Na França, por exemplo, foi criado há muito tempo, prestou muitos serviços e ninguém pensa em dissolvê-lo, assim como o da TV. A Inglaterra, os países nórdicos e outros têm as suas formas de conselho. Discuti-lo no Brasil seria difícil, mas não ameaçaria a democracia ou a liberdade de imprensa.
A esse conjunto de desproporções e deformações vêm somar-se três iniciativas. Sindicatos e jornalistas resolvem fazer uma manifestação pública contra os meios de comunicação. O que pode vir daí senão o acirramento de um lado e de outro? A dez dias das eleições, nem alguns trocados eleitorais essa manifestação localizada pode obter. Sua aparência é só a de um ato de indignação.
A pouco mais de uma semana das eleições, professores, advogados, escritores, e outros, fazem manifestação pública e lançam um manifesto "contra a marcha para o autoritarismo". Haverá mesmo tal marcha, pelo fato de que Lula, nos estertores do seu mandato, rebaixa a função presidencial à de marqueteiro e cabo eleitoral? Se não está aí, o que indicaria que a prevista eleição de Dilma Rousseff é a marcha para o autoritarismo? É óbvio que o papel assumido por Lula macula a disputa.
Mas o que mais suscita reação, parece claro, não é o papel em si, que a lei nem cuidou de restringir: é que Lula o assume do alto de uma popularidade devastadora, que cai sobre os adversários. Nem por isso, no entanto, até agora sinalizadora de ameaças à democracia.
Por fim, um convite. O Clube Militar convida para um "painel", às 15h de hoje em sua sede no Rio, com dois jornalistas de oposição a Lula e ao governo. Sobre nada menos do que "A democracia ameaçada: restrições à liberdade de expressão". Tivemos longo aprendizado do interesse militar por ameaças à democracia e pelas restrições à liberdade de expressão. O título do "painel" não esclarece o sentido atual dado às expressões, mas tanto faz. Sua realização é sugestiva por si só.
As três iniciativas, à parte seus objetivos, são formas fermentadas das tensões decorrentes do processo eleitoral e das feições que tomou. Mas correm o risco de estimular projeções para depois do resultado eleitoral, e sobre ele. E, a depender do resultado, o risco de transpor o início do futuro governo. Como já aconteceu tantas vezes, nenhuma para resultar em algo bom.





sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O Medo e o Autoritarismo

Há muitas razões que explicam a gradativa redução de textos neste blog. A mudança de rotina de seu autor e a falta de tempo são algumas delas. Há ainda o fato de a eleição, tema de grande interesse deste blogueiro, estar se definindo dentro de uma previsibilidade quase enfadonha. Outra razão é a enorme quantidade de informação disponível em sites e portais. Há muita gente bem informada e qualificada escrevendo sobre o assunto, ao passo que se torna mais difícil externar algo relevante sem cair no óbvio. Mas há uma sombra que permeia os jornais, a televisão e sites que anda me inquietando: a ameaça totalitária.
Grandes jornais e revistas, sob o coro da campanha Serrista, alardeiam a ameaça às liberdades democráticas que representaria o PT e a eventual eleição de Dilma. Os recentes escândalos seriam prova da apropriação do Estado pelo partido. A reação indignada às críticas da imprensa estaria relacionada ao desejo de estabelecer controle sobre a mídia ou de censurá-la.
Por outro lado, muitos blogs, revistas e jornalistas, sob o aplauso PTista, denunciam o golpismo da oposição. Alertam que os grupos de mídia que atacam o governo em nome da democracia foram os mesmos que estiveram ao lado da ditadura implantada em 64, ou se beneficiaram com ela. 
Para este blog, o primeiro golpe imperdoável na recente democracia brasileira tem as digitais do Sr. Fernando Henrique Cardoso. Contando com a conivência da maior parte da mídia, FHC mudou as regras do jogo eleitoral sentado na cadeira de presidente. Um escândalo ratificado pelo povo com sua re-eleição. FHC, a grande imprensa e o eleitor preferiram o casuísmo à estabilidade das regras. Não creio no argumento de que o eleitor foi conduzido por barões ou manipulado pela elite. O povo fez seu julgamento. 
A despeito de os dois principais partidos da disputa eleitoral de 2010 estarem usando do medo do autoritarismo para obter dividendos eleitorais, a ameaça que parece mais concreta vem do mesmo lado sócio-político que esteve alinhado ao golpismo desde a época de Getúlio Vargas. Transcrevo abaixo trechos de páginas que me chamaram atenção para o tamanho do ímpeto de certos setores nacionais: 

Eu não sei o que meus amigos farão, mas eu sei o que eu farei: irei para as ruas, resistirei a qualquer tentativa de golpe, o Brasil não é Honduras.
Não é possível que cinco corporações midiáticas, sem nenhum fato concreto, sem nenhuma prova continuem agindo como estão, buscando destruir a respeitabilidade de instituições sérias do país como a Polícia Federal, a Receita Federal, o Banco do Brasil, a Casa Civil da República.
Não é possível que o que há de mais grotesco na imprensa se junte com generais de pijama (*) e tenham a coragem e desfaçatez de pôr na boca palavras tão caras ao povo brasileiro como DEMOCRACIA, COMBATE À CENSURA, PATRIOTISMO.
Para este pequeno grupo de golpistas representado na mídia velha, democracia significa a continuidade deste grupo controlando a comunicação no país, a permanência dele dando as cartas no intuito de manter um país excludente onde só este grupo tem a liberdade de dizer as sandices que lhe vier à telha.
Alguém em sã consciência pode imaginar que deve ser levado a sério um sujeito 171 que o Jornal 171 afirmou ser sócio de uma empresa e a empresa prova que não é e fica por isso mesmo?
Alguém pode seriamente levar a sério um sujeito processado duas vezes, que foi preso por dez meses por interceptação de roubo de cargas, proprietário de uma empresa nada idônea, que tem recusado um empréstimo de banco público, acusar impunemente o governo de exigir propina, quando o que ocorreu foi a recusa de empréstimo de dinheiro público para estelionatário? E finalmente como é que a palavra de um estelionatário (foi só a palavra não há uma única prova apresentada) pode virar manchete do Jornal 171, depois ocupar vários minutos na TV filha do golpe militar (que é concessão pública e ignora totalmente este fato) legitimando as acusações deste estelionatário contra uma ministra? Em que país com uma imprensa séria e honesta esta fábula ganharia tanta repercussão?
É contra esta nova tentativa de golpe de um pseudo-jornalismo que nasceu com o golpe militar, sobreviveu sustentado por golpistas que estarei no ato em defesa da Democracia e contra o golpismo midiático.
COMPAREÇA AO ATO EM DEFESA DA DEMOCRACIA!
CONTRA A BAIXARIA NAS ELEIÇÕES!
CONTRA O GOLPISMO MIDIÁTICO!
Na reta final da eleição, a campanha presidencial no Brasil enveredou por um caminho perigoso. Não se discutem mais os reais problemas do Brasil, nem os programas dos candidatos para desenvolver o país e para garantir maior justiça social. Incitada pela velha mídia, o que se nota é uma onda de baixarias, de denúncias sem provas, que insiste na “presunção da culpa”, numa afronta à Constituição que fixa a “presunção da inocência”.
Como num jogo combinado, as manchetes da velha mídia viram peças de campanha no programa de TV do candidato das forças conservadoras.
Essa manipulação grosseira objetiva castrar o voto popular, e tem como objetivo secundário deslegitimar as instituições democráticas a duras penas construídas no Brasil.
A onda de baixarias, que visa forçar a ida de José Serra ao segundo turno, tende a crescer nos últimos dias da campanha. Os boatos que circulam nas redações e nos bastidores das campanhas são preocupantes e indicam que o jogo sujo vai ganhar ainda mais peso.
Conduzida pela velha mídia, que nos últimos anos se transformou em autêntico partido político conservador, essa ofensiva antidemocrática precisa ser barrada. No comando da ofensiva estão grupos de comunicação que – pelo apoio ao golpe de 64 e à ditadura militar – já mostraram seu desapreço pela democracia.

‘A democracia ameaçada: restrições à liberdade de expressão’
16 de setembro de 2010, em Divulgação, por Galante
Ilmos. (as) Srs. (Sras)
O Clube Militar, preocupado com o panorama político brasileiro, nestes últimos anos vem realizando uma série de atividades voltadas para a preservação da unidade nacional e da democracia no nosso País. Assim, além de eventos que colocou em discussão a defesa da Amazônia, particularmente o problema em Roraima, também tratou de reunir grupos de civis e militares da reserva, de diferentes estados, em três “Encontros Pela Democracia”, sendo dois em 2009 e um em março do corrente ano. Neste último, realizou-se o painel denominado “PNDH-3: A Democracia Ameaçada”, com a participação do Jornalista Antonio Carlos Pereira, do Dr. Ives Gandra Martins e do Min. Waldemar Zveiter.
Agora, apesar de premidos pelo tempo, mas em face do previsto naquele PNDH-3 e da última reunião do “Foro de São Paulo”, que tornam clara a intenção de restringir a liberdade de expressão nos países latino-americanos, inclusive no nosso, realizaremos o Painel “A DEMOCRACIA AMEAÇADA: RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO”, no próximo dia 23 de setembro (5ª Feira), no horário das 15:00 às 17:00 horas, no Salão Nobre da Sede Principal do Clube Militar (Av. Rio Branco, Nº 251, Centro, RJ
Considerando o trabalho sério, competente e de elevado profissionalismo que o evento exige, foram convidados três painelistas de alto gabarito e um mediador de reconhecida competência e experiência nesse mister. Assim, foram confirmadas as participações dos Jornalistas MERVAL PEREIRA e REINALDO AZEVEDO e do Diretor de Assuntos Legais da ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Dr. RODOLFO MACHADO MOURA, restando pendente a confirmação de apenas um dos quatro convidados.
Em face do acima exposto, o Presidente do Clube Militar convida V.Exa/V.Sa. para o referido Painel, que contará com o apoio do “Instituto Millenium” e de “THEMAS” (Centro de Estudos Políticos, Estratégicos e de Relações Internacionais).
CLUBE MILITAR
“A Casa da República”
DEMOCRACIA – SOBERANIA – UNIDADE NACIONAL – PATRIOTISMO
COLABOROU: Marco Balbi

domingo, 12 de setembro de 2010

11 de Setembro


9 anos, 2 guerras, centenas de milhares de mortos…

E não aprendemos coisa alguma?
10/9/2010, Robert Fisk, The Independent, UK
Tradução de Caia Fittipaldi
O 11/9 nos enlouqueceu todos? Nossa homenagem aos inocentes que morreram há nove anos continua a ser um holocausto de fogo e sangue.
O 11/9 nos enlouqueceu todos? O quanto faz perfeito sentido, de um modo alucinado, enlouquecido, que a apoteose da tempestade de fogo há nove anos seja, hoje, um pregador pirado que ameaça nos ferir com outra tempestade de fogo à moda da queima de livros dos nazistas! E ameaça fazer piras de livros do Corão. Ou a campanha contra uma mesquita a ser construída a dois quarteirões do “marco zero” – como se o 11/9 tivesse sido ataque a cristãos que cultuam Jesus, em vez de ataque contra o ocidente ateu.
Mas, afinal, por que nos surpreender? Basta olhar para outros desses doidos que brotam depois de cada crime contra a humanidade: o semidoido Ahmadinejad; Gaddafi, o pegajoso pós-nuclear; Blair com aquele olho direito de maníaco e George W Bush, com suas prisões negras e torturas e a completamente lunática “guerra ao terror”. E o desprezível que viveu – e talvez ainda viva – numa caverna afegã e as centenas de al-Qaedas que criou, e o mullah Omar caolho – para não falar dos agentes lunáticos das agências de inteligência e da CIA principalmente – que não nos salvaram do 11/9 porque foram muito lentos ou idiotas demais para identificar 19 homens que atacariam os EUA. E lembrem: ainda que o Rev. Terry Jones continue persuadido a desistir de queimar livros do Corão, já há vários outros doidos como ele, de plantão, prontos a assumir seu lugar.
De fato, nesse sombrio 9º aniversário – e deus nos ajude, quando chegar o 10º, ano que vem – o 11/9 parece ter produzido só monstros, nenhuma paz, nenhuma justiça, nenhuma melhor democracia. Destruíram o Iraque – os doidos ocidentais e os doidos da cepa local – e massacraram 100 mil almas, ou 500 mil, ou um milhão; e quem liga? E mataram dezenas de milhares no Afeganistão; e quem liga? E enquanto a praga se espalha pelo Oriente Médio e pelo globo, eles – os pilotos da força aérea e os insurgentes, os fuzileiros e os homens-bomba, as al-Qaedas do Maghreb e do Khalij e do Califato do Iraque e as forças especiais e os garotos do apoio aéreo e os degoladores – degolaram mulheres e crianças e velhos e doentes e jovens e saudáveis, do Indus ao Mediterrâneo, de Bali ao metrô de Londres; que homenagem aos 2.966 inocentes que morreram há nove anos! Em nome daqueles mortos, oferecemos o holocausto que produzimos, de fogo e sangue; e, agora, a sandice do pregador doido de Gainesville.
Essas foram as perdas, é claro. Mas… quem ficou com o lucro? Bem, os mercadores de armas, é claro; e as Boeing e Lockheed Martin e os que vendem mísseis e fabricam aviões-robôs e peças de reposição para os F-16 e os mercenários sanguinários que confiscam terras de muçulmanos em nosso nome. Sobretudo agora, quando já produzimos mais de 100 mil novos inimigos para cada um dos 19 assassinos do 11/9. Os torturadores vivem boa vida, gozando seu sadismo nas prisões negras dos EUA – e seria conveniente que, nesse 9º aniversário, o mundo fosse afinal informado de que há um centro de tortura dos EUA, em pleno funcionamento, na Polônia –, homens (e mulheres, temo) que já aperfeiçoaram as técnicas de sufocamento e afogamento mediante as quais o ocidente guerreia as guerras contemporâneas. E, isso, sem esquecer todos os religiosos fanáticos do mundo, sejam do tipo Bin Laden, ou os barbudos do Talibã, sejam os homens-bomba, sejam pregadores malucos grisalhos de gravata como aquele pregador, o nosso maluco, o de Gainesville.
Mas Deus? Onde entra Deus em tudo isso? Um arquivo de citações sugere que todos os monstros brotados do ou criados no 11/9 são seguidores desse quixotesco redentor. Bin Laden reza a Deus – “que faça dos EUA uma sombra do que é”, como me disse, pessoalmente, em 1997 –, e Bush reza a Deus, e Blair rezava – e ainda reza – a Deus, e todos os matadores muçulmanos e milhões de soldados ocidentais matadores e também o “Doutor” (honorário) “Pastor Terry Jones” e seus 30 (talvez 50, porque, nessa “guerra ao terror” as estatísticas nunca batem) seguidores também rezam a Deus. E o pobre velho Deus, é claro, tem de ouvir todas as rezas cujo coro aumenta durante as guerras. Relembremos as palavras atribuídas a Deus, por poeta de outra geração: “Deus isso, Deus aquilo, e Deus sabe-se lá o quê! Santo Deus! Assim, meu trabalho fica pela metade!” [1] E foi só a Primeira Guerra Mundial!
Há apenas cinco anos – no 5º aniversário dos ataques às torres gêmeas/Pentágono/Pensilvânia – uma aluna perguntou-me, numa conferência numa igreja em Belfast, se o Oriente Médio se beneficiaria por lá haver mais religião. Não!, rugi, na resposta. É preciso menos religião! Deus é assunto de contemplação, não de guerras. Mas – e aqui somos jogados contra os recifes e rochas escondidas que nossos líderes querem que não vejamos, que esqueçamos, que as ponhamos de lado – há, sim, esse inferno de sangue que envolve todo o Oriente Médio. São povos muçulmanos que mantiveram sua fé, enquanto os ocidentais, que os oprimem militarmente, economicamente, culturalmente, socialmente – já perderam qualquer fé. Como é possível?, perguntam-se os muçulmanos. De fato, é soberbamente irônico que o Rev. Jones seja homem de fé, enquanto já não há ninguém à volta dele que tenha qualquer fé. Por isso os nossos livros e documentários jamais falam de muçulmanos versus cristãos, mas de muçulmanos versus “O Ocidente”.
E, claro, há o tabu, o tema de que não se pode falar – o relacionamento entre Israel e os EUA, e o apoio incondicional dos EUA ao roubo de terras, porque Israel rouba terras dos árabes muçulmanos todos os dias –, também está no âmago da crise terrível que assola nossas vidas.
Na edição de The Independent da 6ª-feira, viam-se fotos de uma demonstração no Afeganistão em que os manifestantes gritavam “morte aos EUA”. Mas ao fundo, os mesmos manifestantes carregavam um estandarte negro escrito em dari, com tinta branca. Lá se lia – e nenhum jornal ocidental traduziu – “O regime sionista sanguinário e os líderes ocidentais indiferentes ao sofrimento dos palestinos mais uma vez celebram o ano novo com mais sangue palestino derramado”.
É mensagem de violência terrível – mas prova, mais uma vez, que a guerra em que estamos afundados é disputa também da questão Israel-palestinos. Talvez o “Ocidente” prefira acreditar que os muçulmanos “nos odeiam pelo que somos” ou que odeiem “nossa democracia” (é o que sempre mentiram Bush, Blair e uma horda de políticos mentirosos) – mas o conflito entre Israel e palestinos está no centro da “guerra ao terror”. Porque está. E, porque está, o igualmente vicioso Benjamin Netanyahu, ao reagir às atrocidades do 11/9, disse que ‘o evento’ seria bom para Israel. Israel poderia passar a dizer que, contra os palestinos, lá também se lutava “a guerra ao terror”, e que Arafat – e foi o que disse o hoje semimorto Ariel Sharon – seria “nosso Bin Laden”. Assim, os israelenses puderam atrever-se a dizer que Sderot, sob chuva de mísseis de lata do Hamás, seria “o marco zero israelense”.
Nada disso é verdade. A batalha de Israel contra os palestinos é caricatura fantasmagórica da “guerra do terror” do “Ocidente”, mediante a qual o Ocidente dá apoio ao último projeto colonial do planeta – e aceita os milhões de mortos –, porque as torres gêmeas, o Pentágono e o avião da United voo 93 foram atacados por 19 assassinos árabes há nove anos.
Há uma horrenda ironia no fato de que um dos resultados diretos do 11/9 tenha sido a legião de policiais e agentes e ‘especialistas’ que voaram imediatamente para Israel para aprimorar sua “expertise antiterroristas” com a ajuda de oficiais israelenses que muito provavelmente – nos termos divulgados pela ONU – são criminosos de guerra. Não surpreende que os heróis que fuzilaram o infeliz Jean Charles de Menezes, brasileiro, no metrô de Londres em 2005 estivessem recebendo assessoramento “antiterroristas” dos israelenses.
Ah, sim, já sei o que vão dizer. Que não podemos comparar a ação de terroristas do mal e a coragem de jovens policiais ingleses, homens e mulheres, que defendem vidas inglesas – e sacrificam as próprias vidas – nos fronts da “guerra ao terror”. Não há comparação. Não são “iguais”. “Eles” matam inocentes, porque “eles” são o mal. “Nós” matamos inocentes… por engano. Mas nós sabemos que vamos matar inocentes – aceitamos a evidência de que mataremos inocentes, que nossos atos criarão valas comuns nas quais se enterrarão famílias inteiras dos mais pobres, dos mais fracos, dos mais desamparados.
Por isso inventamos o conceito obsceno de “dano colateral”. Porque se “colateral” significar que aqueles mortos são inocentes, então “colateral” também significaria que os que os assassinam também seriam inocentes. Não queríamos assassiná-los – por mais que sempre soubéssemos que os assassinaríamos. “Colateral” é nossa licença para matar. Essa única palavra faz toda a diferença entre “nós” e “eles”, entre o nosso direito divino de matar e o direito divino de Bin Laden matar. As vítimas, ocultadas como cadáveres “colaterais”, já nem se contam, porque são provas do nosso crime. Talvez lhes tenha doído menos. Talvez morrer por tiro de avião-robô seja morte mais doce, partida mais suave desse vale de lágrimas. Ou, quem sabe, ser cortado ao meio e eviscerado por um míssil AGM-114C Boeing-Lockheed ar-terra doa menos do que voar pelos ares aos pedaços por efeito de uma bomba no acostamento ou de algum cruel homem-bomba que se suicide na rua.
Por isso é que sabemos quantos morreram no 11/9 – 2.966, e o número talvez seja maior – mas nem contamos os mortos que nós matamos. Porque eles – “nossas” vítimas – nem são identificáveis, nem são inocentes, nem são humanos, não têm causas, nem crenças, nem sentimentos; e porque já matamos muito, muito, muito mais gente que Bin Laden e os Talibã e a al-Qaeda.
Aniversários são eventos para jornais e televisões. E parecem ter o mau hábito de se unirem sempre em cenários trágicos. Assim os ingleses comemoram a “Batalha da Bretanha” – episódio cavalheiresco da história dos britânicos – e a “Blitz”, bisavó dos assassinatos em massa, mas símbolo de uma espécie ingênua de coragem –, como lembramos o início de uma guerra que rachou pelo meio a moralidade pública, converteu políticos britânicos em criminosos de guerra, nossos soldados em assassinos e nossos inimigos em heróis da causa contra o Ocidente.
E, ao mesmo tempo em que, nesse tormentoso aniversário, o Rev. Jones prega que se queime um livro intitulado “Corão”, Tony Blair está em campo para vender um livro intitulado “Uma jornada”. Jones disse que o Corão seria “o mal”. Muitos britânicos perguntam-se se o livro de Blair não deveria chamar-se “O Crime”. Não há dúvida de que o 11/9 já virou delírio, se o Rev. Jones consegue atrair a atenção dos Obamas dos Clintons, do Santo Padre e até da ainda mais santa ONU. Aqueles que os deuses querem destruir, os deuses primeiro enlouquecem…
[1] No orig. “God this, God that, and God the other thing. ‘Good God,’ said God, ‘I’ve got my work cut out’. São versos conhecidos na Inglaterra como “a quadrinha da [primeira] Grande Guerra”, de autor desconhecidos, mas atribuídos a J.C. Squire, depois Sir John Squire.

sábado, 4 de setembro de 2010

"Jamais rotularemos os adversários como inimigos"

Da Folha de São Paulo
FERNANDO DE BARROS E SILVA

Morte e Vida Francenilda SÃO PAULO -
A ala "Maçaranduba" da coligação "O Brasil Pode Mais", aquela para quem o que faltava ao programa de José Serra era "porrada", não tem mais do que reclamar. Na noite de quinta-feira, na TV, o tucano foi ao ataque e apostou suas fichas no "tudo ou nada".
Talvez não restassem muito mais opções a Serra. Não só à luz da dificuldade em que se encontra sua campanha mas, também, em razão do significado, ao mesmo tempo pessoal e político, que o escândalo da Receita tem para a candidatura.
A um mês da eleição, precisando tirar seis pontos de Dilma Rousseff para provocar o segundo turno, Serra radicalizou e fez um programa de teor inteiramente negativo, em que ele próprio apareceu distribuindo críticas à campanha rival.
Antes dele, um apresentador veio arando o terreno, desfiando, em tom "soft-alarmista", um enredo que começava com o paralelismo um tanto forçado entre o caso Lurian e o caso Veronica ("a mesma baixaria contra a filha do Lula agora é usada contra a filha de Serra"). A seguir, passava pelos aloprados ("ninguém foi julgado nem punido"), pelo escândalo do caseiro ("não deu em nada", mas sem citar Palocci, o petista amigo) e pelo mensalão ("ninguém foi preso").
Feito o bombardeio, surge então Serra, como quem sobrevoa um cenário de ruína moral, para transmitir seu alerta: "Se continuar assim, todos nós seremos Francenildos".
Quando lançou sua candidatura, em abril, Serra tinha como lema "o Brasil é um só" e dizia em seu discurso inaugural: "Jamais rotularemos os adversários como inimigos da pátria ou do povo".
Transcorridos alguns meses, o candidato rasgou o roteiro original e agora busca a unidade deste país "que é um só" numa suposta "condição francenilda", a que todos estaríamos condenados sob um governo Dilma.
É um apelo desesperado, de alto risco para Serra, que ainda pode funcionar. Ou representar mais um passo rumo à cova rasa que cabe à oposição no latifúndio do lulismo.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Dossiê da Filha de Serra - A Carta na Manga

Poucas pessoas na política nacional tem tanta afinidade com a palavra "dossiê" como José Serra. Talvez só o velho ACM tivesse fama maior de colecionador de documentos contra adversários. Em 2002, Serra teria sido responsável pela operação da PF na empresa Lúnus ligada a Rosena Sarney. O vazamento para imprensa de fotos de dinheiro achado na empresa foram mortais para a pré-candidatura da então PFLista. Na oportunidade, José Sarney denunciou no Senado que Serra teria criado no Ministério da Saúde um equipe de arapongas para montar dossiês contra adversários.
Ainda no período pré-eleitoral de 2002, Serra teria usado de dossiês para tirar os PSDBista Paulo Renato e Tasso Jereissati da disputa pela indicação do partido. Em 2006, Serra apareceu na campanha paulista como vítima do dossiê dos aloprados PTisstas. Há quem acredite que os "aloprados" foram vítimas de uma armadilha  montada pelo próprio Serra. Teriam aceitado comprar um dossiê e foram flagrados neste ato. A tese é coerente, afinal, o flagrante em uma circunstância destas é no mínimo curioso, além de conveniente para o PSDB. Se o "flagrante preparado" é especulação, a facilidade que José Serra tem, desde 2002, de pautar a cobertura da imprensa é um fato. Em todos estes episódios a versão predominante na grande imprensa lhe é favorável. Basta lembrar que em 2006 o Jornal Nacional da Globo escondeu a queda do avião da Gol para dar mais tempo e visibilidade ao escândalo dos aloprados.
Agora Serra alardeia sua condição de vítima no caso do dossiê sobre sua filha. Curioso que ele tenha guardado sua indignação para seu pior momento nas pesquisas. Desde junho deste ano o tucano ensaia denunciar o suposto jogo sujo envolvendo sua filha - http://livrepraque.blogspot.com/2010/06/dossies-e-dossies.html . Assim como no caso dos aloprados em 2006, ele conta com a cumplicidade de parte da mídia para enfatizar sua versão.
A rigor, este caso é de uma fragilidade gritante. O que se tem de concreto é que alguém, munido de um documento falso, obteve informações na Receita Federal sobre a filha do candidato PSDBista. Ora, a conduta ilícita evidente foi do falsário e não da Receita. Mas o caso é tratado com mais um avanço na direção do autoritarismo almejado pelo PT. A Receita Federal pode ter sido negligente, mas ao que tudo indica, não agiu visnado prejudicar ninguém, tampouco de obter dividendos eleitorais. Por outro lado, é difícil crer que um vazamento ocorrido há mais de um ano seja obra da coordenação de campanha de Dilma. Existem muitas teses para o vazamento, dentre as quais a que atribuem a briga entre Serra e Aécio pela indicação tucana, como bem descreve o jornalista Luis Nassif -  
A tática de se vitimizar estava na manga de Serra. Há três meses ele ensaia denunciar o fato. Se comparármos com o comportamento tucano em 2006, houve uma antecipação reveladora. Serra patinou nas pesquisas e teve que ceder ao embate agressivo pregado por alguns aliados. Não lhe serviu a campanha propositiva de "pós-lulista", a tática do medo dos radicais PTistas e a tese de comparar biografias. A estratégia de se apresentar como vítima não é nova na política. Parece ser a única que restou para Serra. A julgar pelas últimas sondagens, também não tem funcionado...